Uma escala para avaliar a presença de espécies exóticas invasoras em cada local

Um dos maiores benefícios de uma plataforma como o iNaturalist / BioDiversity4All é a identificação de áreas prioritárias para intervenção em defesa da biodiversidade. Sendo a proliferação de espécies exóticas invasoras uma das principais ameaças à biodiversidade (como acontece por exemplo nas Dunas de São Jacinto ou na Serra da Lousã), é importante conhecer o modo como evolui essa invasão. O conhecimento da distribuição territorial de cada espécie exótica invasora é importante mas insuficiente: é também importante conhecer o nível de invasão em cada local. Há locais onde existe um único exemplar ou um pequeno número de exemplares de uma determinada espécie invasora, cuja rápida eliminação (possivelmente realizada manualmente por voluntários) permitirá prevenir a invasão de uma vasta área; noutros locais as espécies exóticas invasoras já ocuparam todo o espaço disponível, de forma irreversível, não havendo mais a fazer do que prevenir a sua disseminação para outros locais; e entre estes dois extremos existem diversas situações intermédias que exigem abordagens diferenciadas.

Quando comecei a utilizar o iNaturalist e a associar "campos" às minhas observações, procurei campos já existentes que pudesse usar para descrever o grau de invasão de cada local. Encontrei vários, mas em todos eles o número de opções era demasiado limitado e as definições demasiado breves e subjetivas. Após alguma reflexão e alguns melhoramentos, acabei por desenvolver uma escala com 10 níveis (de 0 a 9) associada ao novo campo "Invasion extent": https://www.inaturalist.org/observation_fields/12426 . Depois de preencher este campo em cerca de 300 observações, considero que a escala que desenvolvi é adequada para o fim a que se destina (definir prioridades e estratégias de intervenção no controlo das espécies exóticas invasoras): é bastante fina (10 níveis em vez de apenas 3 ou 4), suficientemente objetiva (a dúvida, quando existe, é apenas entre dois níveis mais próximos), e o facto de ser codificada por um único dígito apresenta algumas vantagens (facilita por exemplo a inclusão dessa informação nos nomes de ficheiro das fotografias captadas em cada local).

Infelizmente a utilização de "campos" no iNaturalist apresenta duas limitações das quais só me apercebi mais tarde:

  • Embora seja possível exportar os campos, não é possível usá-los em pesquisas de modo a apresentar os resultados em mapa (ao contrário das etiquetas, as quais podem ser usadas em pesquisas): é apenas possível obter uma lista de todas as observações onde um determinado campo foi preenchido com determinado valor, mas esses resultados não podem ser filtrados (restringindo a um determinado táxon ou local) nem podem ser apresentados em mapa.
  • Ao contrário das etiquetas, os valores dos campos não são exibidos no resumo que é apresentado quando clicamos no "alfinete" que representa uma determinada observação.

Por esse motivo, passei a acrescentar a cada uma das minhas observações uma etiqueta que descreve o grau de invasão no local onde foi feita essa observação (tomando por referência uma "quadrícula" com 0,001 graus de latitude e 0,001 graus de longitude, o que corresponde a cerca de 1 hectare). Ao fazê-lo, aproveitei para escolher uma única palavra capaz de descrever cada nível de invasão.
Eis uma descrição dos 10 níveis de invasão (em Português: a escala original foi definida em inglês), com a indicação da "etiqueta" correspondente:

Níveis 0 e 1: não foram observadas no local quaisquer espécies exóticas com comportamento invasor.

  • Nível 0
    invasion: 0 - absent
    Não existe risco iminente de invasão, pois não existem manchas significativas de plantas exóticas invasoras nas imediações.

  • Nível 1
    invasion: 1 - likely
    Existe risco iminente de invasão, pois as espécies exóticas invasoras estão presentes perto do local observado.

Níveis 2 e 3: as espécies exóticas invasoras presentes no local poderão ser eliminadas manualmente por voluntários.

  • Nível 2
    invasion: 2 - beginning
    As plantas de espécies exóticas invasoras poderão ser eliminadas por um pequeno grupo informal ou familiar, numa única intervenção, eventualmente com uma visita posterior para verificar o estado do local e eliminar algumas plantas que tenham passado despercebidas.

  • Nível 3
    invasion: 3 - significant
    A eliminação das plantas de espécies exóticas invasoras poderá ser feita manualmente por voluntários mas exigirá a intervenção de um grupo grande e organizado, eventualmente em mais do que uma ocasião.

Níveis 4 e 5: a eliminação das espécies exóticas invasoras presentes no local requer a intervenção de pessoal especializado com meios técnicos apropriados (máquinas, controlo químico, etc.).

  • Nível 4
    invasion: 4 - massive
    A eliminação das espécies exóticas invasoras presentes no local não deverá exigir mais do que os recursos habitualmente disponíveis (autarquias, proprietários, serviços florestais, etc.): um pequeno número de intervenções por uma pequena equipa operando máquinas ligeiras (motosserras, motorroçadoras, eventualmente uma retroescavadora, etc.).

  • Nível 5
    invasion: 5 - overwhelming
    A eliminação das exóticas invasoras exigiria um elevado número de intervenções altamente especializadas durante um período alargado de tempo (uma década ou mais), com custos de tal forma elevados que só seriam justificáveis e comportáveis se essa intervenção fosse imprescindível para a preservação de espécies ameaçadas.

Níveis 6 e 7: a invasão é irreversível mas o local ainda contém um número significativo de espécies autóctones.

  • Nível 6
    invasion: 6 - irreversible
    Embora já não seja possível eliminar as espécies invasoras presentes no local (existem milhares de exemplares, é impossível impedir que rebentem de raiz ou de toiça, as sementes estão disseminadas e permanecerão viáveis durante décadas, etc.), é possível conter a sua expansão de modo a proteger as manchas de vegetação autóctone ainda existentes.

  • Nível 7
    invasion: 7 - uncontrollable
    Existem no local algumas manchas de vegetação autóctone com uma biodiversidade significativa, eventualmente com a presença de espécies raras, mas já não é possível protegê-las das espécies invasoras: todos os exemplares de espécies raras ou ameaçadas que eventualmente existam no local deverão ser transportados para outro local com um nível de invasão menor, pois de outra forma acabarão por desaparecer.

Níveis 8 e 9: a biodiversidade autóctone existente no local é residual ou nula.

  • Nível 8
    invasion: 8 - finalising
    Existem no local apenas algumas pequenas manchas de vegetação autóctone (poucos metros de diâmetro), com escassa biodiversidade (tipicamente dominadas por única espécie: uma gramínea, um feto, etc.) e que irão desaparecer inexoravelmente dentro de poucos anos.

  • Nível 9
    invasion: 9 - complete
    A biodiversidade atingiu o valor mínimo: as espécies exóticas invasoras ocuparam todo o espaço disponível, restando apenas algumas espécies autóctones que conseguem coexistir com as espécies invasoras ou beneficiar delas (por exemplo fungos ou algumas ervas rasteiras).

Posted on 13 de setembro de 2020, 04:08 PM by mferreira mferreira

Comentários

A escala acima definida foi considerada demasiado subjetiva por uma investigadora especializada em flora exótica invasora. Em resposta a esse comentário tentei definir alguns critérios quantitativos e outros critérios práticos para avaliação do nível de invasão:
https://www.inaturalist.org/journal/mferreira/42127-criterios-objetivos-para-a-determinacao-do-nivel-de-invasao-por-flora-exotica
Os próximos comentários contêm os critérios resultantes dessa reflexão.

Publicado por mferreira mais de 3 anos antes

NÍVEL 0

Critério objetivo: não foram observadas espécies exóticas com comportamento invasor e o risco de invasão num prazo de 10 anos é inferior a 30%.

Possível critério prático (passível de revisão) - devem ser cumpridas cumulativamente as condições 1-5:
1a) inexistência de acácias a menos de 100m em qualquer direção, em terreno fracamente arborizado, ou
1b) inexistência de acácias a menos de 70m em qualquer direção, em terreno densamente arborizado;
2a) inexistência de acácias a menos de 300m do lado de cima da encosta, em terreno fracamente arborizado, ou
2b) inexistência de acácias a menos de 150m do lado de cima da encosta, em terreno densamente arborizado;
3) inexistência de acácias a menos de 1000m ao longo de uma estrada ou caminho florestal;
4a) inexistência de háqueas a menos de 250m em qualquer direção, em terreno fracamente arborizado, ou
4b) inexistência de háqueas a menos de 150m em qualquer direção, em terreno densamente arborizado;
5a) inexistência de háqueas a menos de 400m do lado de cima da encosta, em terreno fracamente arborizado, ou
5b) inexistência de háqueas a menos de 250m do lado de cima da encosta, em terreno densamente arborizado.

Publicado por mferreira mais de 3 anos antes

NÍVEL 1

Critério objetivo: não foram observadas espécies exóticas com comportamento invasor mas o risco de invasão num prazo de 10 anos é superior ou igual a 30%.

Situações que podem corresponder a este nível (valores passíveis de revisão):
1a) existência de acácias a menos de 100m em qualquer direção, em terreno fracamente arborizado;
1b) existência de acácias a menos de 70m em qualquer direção, em terreno densamente arborizado;
2a) existência de acácias a menos de 300m do lado de cima da encosta, em terreno fracamente arborizado;
2b) existência de acácias a menos de 150m do lado de cima da encosta, em terreno densamente arborizado;
3) existência de acácias a menos de 1000m ao longo de uma estrada ou caminho florestal;
4a) existência de háqueas a menos de 250m em qualquer direção, em terreno fracamente arborizado;
4b) existência de háqueas a menos de 150m em qualquer direção, em terreno densamente arborizado;
5a) existência de háqueas a menos de 400m do lado de cima da encosta, em terreno fracamente arborizado;
5b) existência de háqueas a menos de 250m do lado de cima da encosta, em terreno densamente arborizado.

Publicado por mferreira mais de 3 anos antes

NÍVEL 2
Critério objetivo: foram observadas no local espécies exóticas com comportamento invasor, passíveis de serem eliminadas com um máximo de 10h de trabalho voluntário manual.

Possíveis critérios práticos (passíveis de revisão), sendo os mais fiáveis aqueles que se baseiam no número de plantas:

Acácias adultas (mais de 5 anos, mais de 7cm de diâmetro, mais de 3mm de espessura da casca, com algumas irregularidades ou cicatrizes), elimináveis por descasque:
. no máximo 25,
. uma ou mais manchas totalizando 50 metros quadrados,
. mancha única com 8 metros de diâmetro,
. 0,5% de área ocupada.

Acácias jovens (menos de 5 anos, tronco aproximadamente cilíndrico com menos de 7cm de diâmetro, casca ainda verde com menos de 3mm de espessura, sem irregularidades ou cicatrizes), elimináveis por descasque:
. no máximo 50,
. uma ou mais manchas densas totalizando 2 metros quadrados,
. mancha densa única com 1,5 metros de diâmetro,
. 0,02% de área ocupada.

Acácias com menos de 2 anos (caule com cerca de 2cm de diâmetro), elimináveis por arranque:
. no máximo 1500,
. uma ou mais manchas densas totalizando 15 metros quadrados,
. mancha densa única com 4 metros de diâmetro,
. 0,15% de área ocupada.

Acácias com 1 ano ou menos (caule com cerca de 1cm de diâmetro), elimináveis por arranque:
. no máximo 6000,
. uma ou mais manchas densas totalizando 60 metros quadrados,
. mancha densa única com 9 metros de diâmetro,
. 0,6% de área ocupada.

Publicado por mferreira mais de 3 anos antes

NÍVEL 3
Critério objetivo: foram observadas no local espécies exóticas com comportamento invasor, passíveis de serem eliminadas com um máximo de 50h de trabalho voluntário manual.

Possíveis critérios práticos (passíveis de revisão), sendo os mais fiáveis aqueles que se baseiam no número de plantas:

Acácias adultas (mais de 5 anos, mais de 7cm de diâmetro, mais de 3mm de espessura da casca, com algumas irregularidades ou cicatrizes), elimináveis por descasque:
. no máximo 125,
. uma ou mais manchas totalizando 250 metros quadrados,
. mancha única com 18 metros de diâmetro,
. 2,5% de área ocupada.

Acácias jovens (menos de 5 anos, tronco aproximadamente cilíndrico com menos de 7cm de diâmetro, casca ainda verde com menos de 3mm de espessura, sem irregularidades ou cicatrizes), elimináveis por descasque:
. no máximo 250,
. uma ou mais manchas densas totalizando 10 metros quadrados,
. mancha densa única com 4 metros de diâmetro,
. 0,1% de área ocupada.

Acácias com menos de 2 anos (caule com cerca de 2cm de diâmetro), elimináveis por arranque:
. no máximo 7500,
. uma ou mais manchas densas totalizando 75 metros quadrados,
. mancha densa única com 10 metros de diâmetro,
. 0,75% de área ocupada.

Acácias com 1 ano ou menos (caule com cerca de 1cm de diâmetro), elimináveis por arranque:
. no máximo 30000,
. uma ou mais manchas densas totalizando 300 metros quadrados,
. mancha densa única com 20 metros de diâmetro,
. 3% de área ocupada.

Publicado por mferreira mais de 3 anos antes

NÍVEL 4
Critério objetivo: a eliminação das espécies exóticas com comportamento invasor requer mais de 50h de trabalho voluntário manual, mas não mais de 20h de trabalho técnico especializado com equipamento adequado.

Possíveis critérios práticos (passíveis de revisão), sendo os mais fiáveis aqueles que se baseiam no número de plantas:

Acácias jovens (cerca de 4 anos, tronco com cerca de 5cm de diâmetro), elimináveis por cortes sucessivos:
. no máximo 3000,
. uma ou mais manchas densas totalizando 120 metros quadrados,
. mancha densa única com 12 metros de diâmetro,
. 1,2% de área ocupada.

Publicado por mferreira mais de 3 anos antes

NÍVEL 5
Critério objetivo: a eliminação das espécies exóticas com comportamento invasor requer mais de 50h de trabalho voluntário manual e mais de 20h de trabalho técnico especializado com equipamento adequado, mas não mais de 100h de trabalho técnico especializado.

Possíveis critérios práticos (passíveis de revisão), sendo os mais fiáveis aqueles que se baseiam no número de plantas:

Acácias jovens (cerca de 4 anos, tronco com cerca de 5cm de diâmetro), elimináveis por cortes sucessivos:
. no máximo 15000,
. uma ou mais manchas densas totalizando 600 metros quadrados,
. mancha densa única com 30 metros de diâmetro,
. 6% de área ocupada.

Publicado por mferreira mais de 3 anos antes

NÍVEL 6
Critério objetivo: a eliminação das espécies exóticas com comportamento invasor requer mais de 100h de trabalho técnico especializado mas para prevenir a expansão da mancha serão suficientes 50h de trabalho voluntário manual a cada 4 anos (cerca de 12 horas anuais).

Possíveis critérios práticos (passíveis de revisão), sendo os mais fiáveis aqueles que se baseiam no número de plantas:

Acácias adultas com capacidade para produzir semente:
. uma ou mais manchas com perímetro total inferior ou igual a 150 metros,
. uma ou mais manchas sendo a soma dos seus diâmetros inferior a 50 metros,
. mancha única com diâmetro superior a 25 metros mas inferior a 50 metros.

Publicado por mferreira mais de 3 anos antes

NÍVEL 7
Critério objetivo: a eliminação das espécies exóticas com comportamento invasor requer mais de 100h de trabalho técnico especializado e o controlo da expansão da mancha requer mais de 12 horas de trabalho manual voluntário por ano, mas ainda existem pequenas manchas de vegetação autóctone que cumprem cumulativamente os seguintes critérios:
1) estão expostas à luz solar direta,
2) nenhuma espécie autóctone ocupa mais de 50% da área da mancha,
3) a invasão total dessas manchas demorará pelo menos 5 anos.

Possíveis critérios práticos (passíveis de revisão):

Em áreas invadidas por acácias, a área invadida é superior ou igual a 20% mas existe uma ou mais manchas de vegetação autóctone cumprindo cumulativamente as seguintes caraterísticas:
1) diâmetro superior ou igual a 10 metros;
2) diâmetro superior ou igual ao dobro da altura média das acácias envolventes;
3) presença de pelo menos 2 espécies autóctones vivazes (por exemplo 2 espécies de entre medronheiro, sobreiro, carvalhiça, urzes, giestas, aderno, folhado).

Publicado por mferreira mais de 3 anos antes

NÍVEL 8
Critério objetivo: ainda existem pequenas manchas de vegetação autóctone com diâmetro superior ao dobro da altura das espécies autóctones mais altas, mas as manchas de vegetação autóctone não cumprem os critérios correspondentes ao nível 7, ou seja,
. não estão expostas à luz solar direta (estão sujeitas a ensombramento pelas espécies exóticas invasoras), ou
. existe uma única espécies autóctone claramente dominante (ocupando mais de 50% da área da mancha), ou
. a invasão total dessas manchas demorará menos de 5 anos.

Possíveis critérios práticos (passíveis de revisão):

Em áreas invadidas por acácias adultas, pode considerar-se que a invasão total ocorrerá em menos de 5 anos se o diâmetro das manchas de vegetação autóctone for inferior a 10 metros.

Publicado por mferreira mais de 3 anos antes

NÍVEL 9
Critério objetivo:
O ecossistema atingiu um novo estado estacionário onde as espécies exóticas invasoras são dominantes: em toda a "quadrícula" de 1ha apenas permanecem as espécies autóctones que conseguem coexistir com as espécies exóticas invasoras a longo prazo (10 anos ou mais) e que mantêm a capacidade de se reproduzir no local.

Possível critério prático (passível de revisão):

Em toda a "quadrícula" de 1ha estão ausentes as espécies arbóreas ou arbustivas mais abundantes no ecossistema original (carvalhos, medronheiros, urzes, giestas, etc.), excepto eventualmente algum espécime resultante de sementes ou rebentos oriundos das áreas adjacentes não invadidas.

Publicado por mferreira mais de 3 anos antes

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